Intertextualidade (Bazerman, 2021)
Bazerman (2021) reflete sobre o caráter intertextual da comunicação humana ao dizer que "Nós criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos" (p.136). E é a partir das reflexões deste autor que este post será escrito.
A intertextualidade pode ser conceituada como a relação que cada texto faz com textos à sua volta (Bazerman, 2021). Tudo o que já dissemos ou escrevemos, sejam simples frases ou textos completos, estabelece um diálogo com outro texto existente, afinal a língua é algo compartilhado. Ao analisarmos a intertextualidade dos textos que nos rodeiam, é possível expandir nosso olhar para uma esfera mais crítica, pois passamos a identificar fontes presentes em textos, a voz do autor, ideias implícitas e muito mais.
Para fins de análise, Bazerman (2021) estabelece alguns níveis de intertextualidade. Um texto pode remeter a textos anteriores como uma fonte de sentidos, como em um julgamento em que advogados e promotores utilizam leis e casos anteriores para dar suporte a suas declarações. Ele também pode remeter a dramas sociais explícitos de textos anteriores mencionados na discussão, assim como também usar outras declarações como pano de fundo, apoio ou contraposição. De maneira menos explícita, o texto pode ainda se apoiar em crenças, questões, ideias e declarações amplamente difundidas e familiares aos leitores, seja por estarem relacionadas a uma fonte específica, ou por serem percebidas como senso comum. Utilizando certos tipos de linguagem, estilo e gêneros, cada texto evoca mundos sociais particulares onde essa linguagem ou essas formas linguísticas são utilizadas, normalmente com o propósito de identificá-lo como parte daqueles mundos (Bazerman, 2021).
Bazerman (2021) traz ainda técnicas de representação textuais que nos ajudam a reconhecer os níveis de intertextualidade presentes em um texto. São elas:
1. Citação direta
O uso de aspas é um dos principais marcadores que identificam uma citação direta. Além dele, essa técnica de representação textual também pode ser identificada pelo uso de itálico, adentramento no parágrafo ou outro recurso tipográfico. Na citação direta as palavras do autor original são mantidas mas o autor citante a utilizará para cumprir suas intenções, tendo controle de que partes serão usadas ou excluídas. A Figura 1 traz um exemplo de citação direta marcada pelo uso de aspas.
Figura 1 - Exemplo de citação direta
2. Citação indireta
Na citação indireta há a especificação da fonte, mas o texto é reescrito para demonstrar a compreensão do autor citante sobre o texto original. Bazerman (2021) afirma que "As citações indiretas filtram o sentido através das palavras e atitudes do segundo autor, permitindo que os significados sejam mais integrados aos seus propósitos" (p.147). Na Figura 2 podemos observar como essa técnica se apresenta em um texto.
Figura 2 - Exemplo de citação indireta
Fonte: autoria própria
3. Menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações
"A menção a documentos ou a autores depende da familiaridade do leitor com a fonte original e com o que ela diz"(Bazerman, 2021, p.148). Nessa técnica o autor tem mais oportunidades para deixar implícito o que querem dizer. Na Figura 3 trazemos um exemplo que mostra a menção a um documento, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Figura 3 - Exemplo de menção a um documento
Fonte: <https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/especial-publicitario/anglo-sorocaba/noticia/2025/05/29/trabalho-socioemocional-impulsiona-o-rendimento-dos-alunos.ghtml>
4. Comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada
Na Figura 4 trazemos um exemplo desta técnica. Neste parágrafo de um artigo de opinião o autor comenta dados de uma pesquisa e traz sua visão sobre o problema mencionado.
Figura 4 - Exemplo de comentário
5. Uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou de documentos específicos
Observamos na Figura 5 um exemplo de intertextualidade marcada pelo uso de um estilo reconhecível, neste caso, o início do poema "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. Maurício de Sousa utiliza este texto com uma leve alteração, trocando palmeiras por Corinthians, causando humor ao mencionar o time de futebol.
Figura 5 - Exemplo de uso de estilos reconhecíveis
6. Uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos
"Os gêneros, os tipos de vocabulário (ou registro), as frases feitas e os padrões de expressão podem ser enquadrados nessa técnica" (Bazerman, 2021, p.149). No exemplo a seguir, na Figura 6, é possível identificar o gênero receita, porém, há o diálogo com outro texto composto por dicas para passar de ano na escola.
Figura 6 - Exemplo de uso de formas linguísticas que ecoam certo modo comunicativo
Fonte: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?pagina=espaco%2Fvisualizar_aula&aula=22310&secao=espaco&request_locale=es>
A intertextualidade também está presente em textos além dos verbais. Um exemplo disso está representado na figura 7, com duas imagens diferentes do lançamento da missão Apollo 11. Em 2016, um comercial da Audi, marca de carros, fez referência a Neil Armstrong e ao primeiro pouso do homem na lua. Apesar de não ser uma referência direta, é possível perceber os elementos evocados do vídeo original. O sentimento de conquista alcançado com a inédita conquista do astronauta é trazida de volta num contexto moderno, em que o carro da Audi é comparado ao foguete utilizado na primeira viagem para fora a lua, como representado na figura 8.
Figuras 7 - Comparação lançamento da Apollo 11 e Comercial da Audi
Ambas as cenas brincam com o conceito de poder, de controle. Chaplin parodiza Hitler, trazendo também intertextualidade ao evocar uma figura histórica. A abertura da novela se aproveita disto e modifica levemente o seu significado, trazendo a ideia de poder, que no original incide sobre o mundo inteiro, para uma personagem feminina da novela.
Entendendo mais sobre intertextualidade podemos perceber a complexidade da comunicação humana e como a fazemos muitas vezes sem perceber. Perceber os textos componentes de um diálogo intertextual garante ao leitor um olhar crítico e treinado para perceber nuances e mensagens implícitas pelo autor do texto. Assim concluímos que o estudo da intertextualidade é essencial desde o ensino básico até a idade adulta, visto que nunca deixamos de nos comunicar.
Referências:
BAZERMAN, Charles. Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos. In: DIONISIO, Angela Paiva; HOFFNAGEL, Judith Chambliss (org.). Gênero, Agência e Escrita. 2. ed. Campina Grande: EDUFCG, 2021. v. 2, p. 135-161.
Parabéns! vc escreve didaticamente... gosto da leitura
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