Comunicação não verbal online

Representação textual e pragmática online

Ao escrever um texto, os autores podem usar a tipografia e a apresentação do texto para guiar os leitores ao significado pretendido do enunciado. As novas tecnologias digitais nos oferecem opções bastante variadas quando se trata de apresentação de um texto em página virtual. Tamanho, cor e fonte podem ser alterados na produção de um texto online. Riordan e Kreuz (2010) afirmam que o uso de maiúsculas é a indicação não verbal mais utilizada em textos online. Quando usados em frases inteiras, geralmente representam gritos, atitude rude, o que num email de trabalho, por exemplo, é visto como algo negativo, exemplificado a seguir. 


Ex. 1: MANDA O ARQUIVO


Fleuriet et al. (2014), por outro lado, descobriram que em postagens Facebook não se considerava uma mensagem escrita totalmente em letras maiúsculas mais negativa do que uma com o uso padrão de letras maiúsculas. Esse uso pode demonstrar tanto animação e entusiasmo, quanto raiva ou negatividade, como no exemplo 2. 


Ex. 2: PASSEI NO VESTIBULAR!!!


Porém, de modo geral, usar uma tipografia fora do padrão, seja itálico, letras maiúsculas ou negrito, exige mais esforço do leitor. É mais trabalhoso porque se desvia das convenções e do que o leitor espera (Scott; Jackson, 2020). 

Outra característica comum da apresentação de texto digital é a ortografia não padronizada ou excêntrica, às vezes chamada de "ortografia vocal" (Riordan; Kreuz, 2010, p.1809) e frequentemente envolve o uso de letras repetidas. A ortografia vocal é frequentemente, mas nem sempre, usada para emular uma sílaba alongada na comunicação oral. Portanto, a repetição de letras parece estar ligada à ênfase e à comunicação de emoção, contextualizando o discurso, sinalizando informalidade e simpatia, representada no exemplo 3.


Ex. 3: Amiga que saudaaaaadeeee


Seja pela ortografia ou pelo uso não convencional de maiúsculas e minúsculas, podemos observar que os usuários online estão utilizando os recursos disponíveis para comunicar suas mensagens, rompendo com as convenções e fazendo algo inesperado. Isso chama a atenção para a parte relevante do texto e incita o leitor a buscar algum significado nas decisões tomadas pelo autor.


Pontuação online


A pontuação fora do padrão tem sido associada há muito tempo à comunicação digital (Danet, 2001), em particular à comunicação de emoções e posturas (Langlotz; Locher, 2012). De acordo com David Crystal (2015), pontos finais agora podem ser usados ​​para marcar emoções, e uma frase que termina com um ponto final é considerada como uma forma de transmitir aborrecimento ou raiva, como no exemplo 4.


Ex. 4:  

Pessoa A - você tá com raiva?

Pessoa B - Não.

Pessoa A - certeza?

Pessoa B - Sim.


Outra forma de pontuação, as reticências podem ser usadas ​​em textos online para indicar uma omissão textual da mesma forma que podem ser usados ​​na escrita offline, mas há dois outros usos para esse sinal. Esses usos adicionais imitam características do discurso falado. As reticências podem ser usadas para indicar uma pausa (exemplo 5) e também para indicar que o escritor se perdeu (exemplo 6). 


Ex. 5: Sabe aquele garoto… me chamou pra sair

Ex. 6: É, eu pensei nisso…


As reticências também podem ser associadas à suavização de comentários negativos, pois sinalizam uma abertura para a continuação da troca ou para uma discussão mais aprofundada do ponto. Podem ser usadas para indicar que o escritor está em silêncio, mas não ausente, e que ainda está envolvido com o discurso de alguma forma. O leitor deve então inferir por que o escritor escolheu indicar isso explicitamente por meio do uso das reticências, e essas inferências, como sempre, dependerão do contexto do discurso.


Indicadores de força ilocucionária

A função primária dos emoticons e emojis é transmitir um significado pragmático, e isso pode contribuir para a mensagem geral de diversas maneiras. Eles podem guiar outros processos pragmáticos, incluindo a inferência da força ilocucionária pretendida da mensagem associada. O emoticon não nos informa sobre o estado emocional do escritor e, de fato, não comunica necessariamente que o escritor está piscando enquanto escreve, ou que ele daria uma piscadela de fato se a frase fosse dita. O emoji de rosto com lágrimas de alegria parece cumprir essa mesma função, juntamente com o emoji de piscadela correspondente. Considere o exemplo 7, em que o emoji indica o tom ou a atitude por trás do ato de fala, mas alterando a força ilocucionária do próprio ato de fala.


Ex. 7: Sabia que você ia lembrar de mim 😂😂


Significado proposicional


Os emojis podem ser usados ​​para substituir itens lexicais, individualmente ou em combinação (Herring 2018), como visto no exemplo 8, e também podem ser usados ​​para guiar o leitor nos processos inferenciais que contribuem para a derivação da explicatura. 


Ex. 8: Você é uma ⭐


Pohl et al. (2017, p.62) sugerem que usar "um ícone visual em vez de uma palavra permite que os usuários introduzam ambiguidade e ludicidade onde acharem adequado". Riordan (2017) descobriu que os usuários classificaram a mensagem no exemplo 9 como menos ambígua do que a versão no exemplo 10.


Ex. 9: Ontem caí na festa 🍸

Ex. 10: Ontem caí na festa


Serviços de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, frequentemente apresentam tópicos sobrepostos, o que pode levar a uma falta de coerência na estrutura do discurso. Os usuários podem introduzir mais de um ponto em uma única mensagem e as respostas não aparecerão necessariamente adjacentes à mensagem original correspondente. Emojis podem ser usados ​​para indicar a qual tópico uma mensagem pertence ou ao qual está respondendo.


Ironia e sarcasmo

Thompson e Filik (2016) descobriram que emoticons eram mais propensos a serem usados ​​em contextos sarcásticos, em comparação com contextos literais. Eles descobriram que o uso de emoticons de língua (😋) e piscada (😉) foram usados por participantes em tarefas de produção para indicar sarcasmo, mesmo quando esses participantes tiveram a opção de adicionar conteúdo linguístico à mensagem. Derks et al. (2008) descobriram que a incongruência entre a mensagem e o emoticon pode ser um sinal de sarcasmo. Quando um emoticon positivo foi incluído em uma mensagem negativa, ou vice-versa, a mensagem foi classificada como mais sarcástica do que quando o emoticon e a mensagem concordavam ou quando nenhum emoticon foi incluído. A partir dessa gama de exemplos e estudos, podemos ver que emoticons e emojis são empregados por usuários para orientar a interpretação de enunciados de diversas maneiras. Eles fornecem pistas sobre o significado pretendido do enunciado, mas não podem ser interpretados sem referência ao contexto do discurso em que são produzidos.


GIFs de reação


Um GIF é uma imagem curta, silenciosa e animada, geralmente recortada de um vídeo de origem mais longo, que é reproduzido em loop. A opção de anexar um GIF a uma publicação ou mensagem está integrada no Twitter, WhatsApp e até mesmo no Microsoft Teams. Eles frequentemente incluem uma anotação de texto sobre a imagem como parte do próprio GIF. Os GIFs derivam conteúdo da cultura popular, e muitos são clipes editados de programas de televisão, vídeos pop ou filmes. São um exemplo de inovação orientada pelo usuário, na qual um recurso digital é adaptado e desenvolvido para ajudar os usuários a atingir seus objetivos comunicativos. Eles permitem a expressão visual de gestos, mas o fazem sem exigir tempo ou demandas técnicas desnecessárias do usuário. Veszelszki (2015, p.139–140) entrevistou usuários húngaros sobre seu uso e interpretação de GIFs e concluiu que eles “expressam emoções, mas de uma forma mais intensa do que os emoticons”. A maioria dos GIFs de reação pode ser interpretada sem conhecimento cultural específico, mas usuários familiarizados com a fonte do GIF podem obter outros efeitos. Por exemplo, mesmo alguém que não reconheça Leonardo DiCaprio ou não saiba que o GIF de brinde com champanhe foi retirado do filme "O Grande Gatsby", ainda será capaz de inferir algum significado da imagem de um homem brindando em direção à câmera com uma taça de champanhe (GIF 1).

GIF 1 - Leonardo DiCaprio brindando

Fonte: https://tenor.com/pt-BR/view/leo-toast-gif-24196108

De uma perspectiva pragmática, podemos entender o ato de postar um GIF como um ato de exibição. O usuário está mostrando o clipe para seus destinatários, e eles interpretarão esse ato de exibição buscando como ele pode ser relevante. Assim como no uso de emojis discutido no post anterior, usar um GIF não pode ser um ato acidental de comunicação.


Referências:

CRYSTAL, David. Making a point: The Pernickety story of English punctuation. [S. l.]: St. Martin's Press, 2015. 378 p. ISBN 9781250060419.


DANET, Brenda. Cyberpl@y: Communicating Online. [S. l.]: Berg Publishers, 2001. 436 p. ISBN 9781859734247.


DERKS, Daantje; BOS, Arjan E. R.; VON GRUMBKOW, Jasper. Emoticons and Online Message Interpretation. Social Science Computer Review, v. 26, n. 3, p. 379-388, 3 dez. 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0894439307311611. Acesso em: 27 abr. 2025.


FLEURIET, Christina; COLE, Megan; GUERRERO, Laura K. Exploring Facebook: Attachment Style and Nonverbal Message Characteristics as Predictors of Anticipated Emotional Reactions to Facebook Postings. Journal of Nonverbal Behavior, v. 38, n. 4, p. 429-450, 17 jul. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10919-014-0189-x. Acesso em: 27 abr. 2025.


HERRING, Susan C. Emergent Forms of Computer-Mediated Communication and their Global Implications. LinguaPax Review, p. 90-130, 2018.


LANGLOTZ, Andreas; LOCHER, Miriam A. Ways of communicating emotional stance in online disagreements. Journal of Pragmatics, v. 44, n. 12, p. 1591-1606, set. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2012.04.002. Acesso em: 27 abr. 2025.


POHL, Henning; DOMIN, Christian; ROHS, Michael. Beyond Just Text: Semantic emoji similarity modeling to support expressive communication 👫📲😃. ACM Transactions on Computer-Human Interaction, v. 24, n. 1, p. 1-42, 22 mar. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1145/3039685. Acesso em: 28 abr. 2025.


RIORDAN, Monica A. Emojis as Tools for Emotion Work: Communicating Affect in Text Messages. Journal of Language and Social Psychology, v. 36, n. 5, p. 549-567, 11 abr. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0261927x17704238. Acesso em: 27 abr. 2025.


RIORDAN, Monica A.; KREUZ, Roger J. Cues in computer-mediated communication: A corpus analysis. Computers in Human Behavior, v. 26, n. 6, p. 1806-1817, nov. 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.chb.2010.07.008. Acesso em: 27 abr. 2025.


SCOTT, Kate. Pragmatics Online. [S. l.]: Taylor & Francis Group, 2022. 192 p. ISBN 9781003254201.


SCOTT, Kate; JACKSON, Rebecca. Chapter 6. When EVERYTHING STANDS OUT, Nothing Does. In: PISKORSKA, Agnieszka (ed.). Relevance Theory, Figuration, and Continuity in Pragmatics. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2020. p. 167-192. ISBN 9789027205544. Disponível em: https://doi.org/10.1075/ftl.8.06sco. Acesso em: 28 abr. 2025.


THOMPSON, Dominic; FILIK, Ruth. Sarcasm in Written Communication: Emoticons are Efficient Markers of Intention. Journal of Computer-Mediated Communication, v. 21, n. 2, p. 105-120, mar. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1111/jcc4.12156. Acesso em: 27 abr. 2025.


VESZELSZKI, Ágnes. Emoticons vs. Reaction-Gifs. Non-Verbal Communication on the Internet from the Aspects of Visuality, Verbality and Time. In: BENEDEK, András; NYÍRI, Kristóf (ed.). Beyond Words. Pictures, Parables, Paradoxes. Frankfurt: Peter Lang, 2015. v. 5.

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